Saturday, March 24, 2007

destruir tudo o que você tocar

Começa mais uma vez o ritual sagrado. Ela senta com a garrafinha de água cheia, pouco tempo pra não fazer nada e no media player é sempre a mesma música que toca.

Às vezes ela levanta mais cedo do que o já cedo horário rotineiro, porque ela acha que é bom mudar um pouco. Às vezes ela só precisa de um pequeno empurrão, mas é costume já que ela receba um tranque. E é sempre a mesma música que toca quando ela, eufórica, grita. E sempre é quente quando ela fica feia e demente.

Confusão é pouco pra quem tem apenas dezessete anos. Ela tem a mania de escrever a idade em seus textos e por isso morre de medo de chegar aos trinta. Todos irão saber, é inevitável. E ela se mata estudando pra no outro dia afogar tudo o que existe em tortinhas de chocolate e pinga. Nunca é tarde pra parar.

Ela só acha idiotice chamar o trabalho das prostitutas de indigno. Indigno é acordar todos os dias antes do galo pra no final do mês ganhar trezentos reias e passar fome. Digno é passar fome pra ser magra e ganhar muito dinheiro transando com homens casados que só bebem whisky importado e freqüentam o Iate Club. Na cidade dela não tem Iate Club, mas pouco importa. Ela acha digno trabalhar e no final do mês fazer compras na Gucci e na D&C. Mesmo que esteja em promoção.

Quando a música termina ela publica.

Saturday, March 17, 2007

Eu sempre vou ser a menina gorda e sardenta apaixonada pelo garoto popular da escola. Por mais que eu emagreça, que a base disfarce o pior e que eu pise em cima de qualquer indício de testosterona por perto, eu sei que eles ainda me olham assim.
É sábado de noite e eu sempre perco os melhores shows da minha vida. Essa cidade diminui à medida que enche folhas do meu diário. Eu queria um caderno novo, com páginas em branco, pra escrever uma história bonita e emocionante, igual aquela que eu imagino sempre antes de dormir. Mas faz tempo que não neva por aqui e cada dia há menos coisas para se contar, e há cada semana são mais folhas em branco.

Hoje é só um sábado meio chuvoso, meio frio, meio perfeito. Eu deveria sair correndo daqui e tentar um ingresso VIP em algum barzinho novo. Mas eu sempre esqueço que aqui é Lajeado, e que não há novidades em Lajeado, e que não há ingressos vip em Lajeado. Aqui as pessoas se vestem com a mesma roupa e tem o mesmo corte de cabelo desde que eu nasci. Chove desde que eu nasci. Você nunca mais falou comigo depois que eu nasci.

Meu amigo gay espera por um telefonema que eu não posso dar. Chove. Não há ninguém em casa além de mim. Não há ninguém em casa. A gente precisa de meia caixa de comprimidos pra depois acordar e ver que loucura é a realidade. Loucura é acordar todo o dia numa cidade decadente e idolatrá-la. Loucura é trabalhar por menos de dois mil reais por mês. É aturar você falando sempre que eu sou melhor, me ignorando, me chamando de volta. Eu sempre volto, aliás, eu adoro quando você me manda ir embora, porque eu sei que você sempre me pede pra voltar. E é sempre em março que faz um mês que eu ti beijei e você não lembra. Lá fora chove.

Thursday, March 15, 2007

menina de ouro

Ela andava rápido, suando, à passos sofridos. Quase corria. Até que passou por um grupo de pessoas que lhe perguntaram o porquê da pressa. Ela lhes respondeu e eles disseram que era bobagem, que não daria certo. Então ela parou para descansar e eles correram na sua frente.
Fim.

Tuesday, March 13, 2007

Jefree Star

A maioria das meninas da minha idade quando saem num sábado à noite voltam pra casa com no máximo um namorado -ou namorada que seja- eu volto com um cachorro a tira-colo, melhor, uma cadela. Quando eu cheguei ao carro minha mãe me olhou com aquela cara que insinua que eu estou cada dia mais louca, mas eu não desisti, e não entrei até que ela "permitisse" que a cadela fosse junto.
Cheguei em casa quatro e meia da madrugada. Tive que deixar a Jefree, é esse o nome da cadela, no pátio dos fundos e levar a Crystal, minha outra cadela, pra dormir no meu quarto. Ok! Não consegui pegar no sono até quase seis horas da manhã, porque fiquei com medo que a Jefree fizesse barulho e meu pai acordasse.
No domingo, acordei antes das oito, pra dar banho na minha nova hóspede, já que eu havia prometido que na segunda-feira eu arranjaria um lugar pra ela ficar. Lavei com Elséve, porque o anti-pulgas da Crystal tinha acabado. Meu pai acordou, pediu o que era aquilo e só disse que segunda-feira ela iria embora. Ok.
Chegou segunda-feira. Cheguei em casa. Chorei de meio-dia no pátio dos fundos, escondida e abraçada na cadela. Minha mãe chegou e pediu onde eu iria deixá-la. Respondi que decidia isso quando voltasse da academia. A cabeça já doendo. O coração doído.
Voltei da academia e minha mãe só voltou pra casa de noite. Eu não havia achado absolutamente nenhum lugar pra deixar a minha segunda princesa (a primeira é e sempre vai ser a Crystal). Meu pai chegou em casa e brigou comigo porque eu descumpri o tratado. Mas deixou-a ficar mais uma noite.
Hoje minha mãe teve que me buscar no colégio porque eu tava passando mal da cabeça e do estômago. Fui pra casa e dormi até duas e quinze, quando o telefone tocou e minha mãe falou que o nosso grameiro iria ficar com a Jefree. Tudo bem, respondi. Fui pros fundos de casa e dei pão na boca dela, e ela pulava e me lambia e eu olhava pra ela e a achava tão doce e bonitinha. Aquele pêlo preto e branco, o corpo magro da fome, a semelhança com cocker spaniel.
A campainha tocou. Eu abri a janela e o grameiro gritou com aquele jeito alemão: "A main tisse que tem um cachoro pra mim peca aqui" Falei que ia buscar ela. Fui pros fundos, peguei-a no colo, ela chorou, a mostrei pro homem e ela latiu pra ele. Falei que era pra ele cuidar bem dela, dar bastante comida porque ela tava magrinha e que o seu nome era Jefree. Ele respondeu que ia alimentar ela bem e não conseguiu pronunciar o nome, então sugeri que a chamasse somente de Dje. Disse tchau, dei as costas pra ele rápido e saí correndo pra ele não ver que eu tava chorando. E que ainda to. E que eu queria que a Jefree ficasse comigo, porque eu amei ela desde o momento em que ela atravessou a rua e se deitou do meu lado. E porque eu ao menos sei pronunciar o nome dela. A minha cabeça voltou a doer e eu acho que pode até passar, mas o coração doído eu não sei.

Saturday, March 03, 2007

penhasco da esquina

por que maldita razão eu continuo a atender o telefone se já sei que vai doer?
menina que corre atrás de tudo que tem medo. para para para.
pés cansados já não agüentam o algodão. é fácil dizer que é difícil quando não se tenta, pior que isso é tentar e não conseguir.
frases clichês que ela já não suporta. cansou de escrever, olhar pra trás e ver sempre a mesma coisa.
nada muda? ela muda? fica muda que é pra não ti machucar. fala que odeia porque gosta de ver o olho dela chorando.
o instinto sadomasoquista sempre prevalece.