Friday, January 19, 2007

A Real

Há sempre uma casa mal acabada quando eu chego aqui. Nesse ano há pessoas morando nela e as únicas boas tardes que me restavam já não me restam. E o vento refrescante que contrasta com as tardes insuportavelmente quentes não me importa mais. Os rostos familiares que aparecem em cada esquina dessa pequena quadra não me fazem sentir-me em casa. Em cada santo quebrado uma história maligna de demônios, padres e crianças traquinas para contar, às vezes uma igreja guarda lembranças de uma inocência que já não existe.
Eu sempre demoro pra me acostumar em beber nesses copos, deitar no sofá pequeno e cochilar em um colchão menos macio que o lá de casa; mesmo fazendo tanto tempo, eu nunca me acostumei com as crianças que chutam bola no gramado dos fundos, elas são sempre as mesmas e há sempre um cachorro preto e pequeno e engraçado que brinca junto de esconde-esconde, mas ele nunca fecha. Sabe aquela história de café com leite? Eu nunca fui. Na minha época havia um clube e todo o ano eu era a líder, escolhida por voto democrático e sem manipulação. O que eu lidero agora? Eu ainda tenho a capacidade de levar as pessoas numa mesma direção?
Cortaram aquela árvore inclinada onde havia um balanço e só três anos depois isso me faz falta. Falta de ouvir as pessoas gritando pra que eu não subisse tão alto. Faz tempo que eu não entro no mar até a água bater no pescoço. Não é medo. Eu juro. Os dinossauros são tão grandes, ferozes e reais quando se tem nove anos e agora toda a magia foi quebrada porque sabemos mais do que devíamos. É difícil para a Cinderela quando chega à meia-noite. Toc toc toc. Há alguém batendo forte demais na porta da esperança. Há alguém aí? Todos os tesouros jamais serão encontrados.
Faz cinco anos que eu venho pra cá e fico triste. Talvez as ruas tenham ficado pequenas demais. Não há nada que me tire do quarto. Não há parque, não há amigos, não há novidades. O vento sopra sempre no mesmo horário e sentido e não há nada diferente que possa acontecer. Já compramos o oceano e as dunas e talvez hoje eu sinta falta de ter medo de morrer, porque só isso nos dá vontade de viver. É triste não ter segundas intenções.

1 comment:

Anonymous said...

Gostei desse escrito.